Dispraxia Verbal
Apraxia Infantil do Desenvolvimento
por Dra Vanessa M. Franchi e Dra Monica Simons Guerra
1) O que é praxia?
É a capacidade de o indivíduo realizar um ato motor coordenado e complexo, que foi anteriormente aprendido de forma voluntária, em função de um pensamento ou de uma intenção. Por exemplo: falar, desenhar e escrever. Estes movimentos depois de treinados e aprendidos se tornam automáticos. Ou seja, praxia é a capacidade de o cérebro planejar, executar e automatizar um movimento aprendido.
2) A praxia está relacionada com outra função do neurodesenvolvimento?
Piaget descreve que o desenvolvimento da praxia caminha lado a lado com o desenvolvimento da inteligência. A função práxica inicia-se junto com a função simbólica nas crianças. Para elaborar e programar corretamente um movimento, de forma que este se torne automatizado, portanto aprendido, a criança necessita de um conhecimento adequado do seu corpo, da consciência de sua ação no ambiente e da neuromaturação.
3) O que é dispraxia?
Quando a criança não possui capacidade de planejar e executar movimentos motores voluntários necessários a produção de uma função específica, mesmo tendo habilidade para tal, dizemos que esta criança apresenta dispraxia. Esta, quando ocorre nos movimentos de fala é denominada de dispraxia verbal. Nestes casos, a criança sabe o que tem que fazer, não tem dificuldade motora para realizar o movimento, mas tem impossibilidade de fazê-lo.
4) Dispraxia é um distúrbio neurológico?
A dispraxia é um distúrbio da função neurológica, ou seja, é um problema do cérebro. A programação cerebral do movimento está prejudicada, portanto sua execução será inadequada, apesar de não haver alteração muscular nos órgãos responsáveis pelo movimento objetivado.
Apesar de ser uma alteração da função neurológica, geralmente não há alteração em exames de imagens cerebrais, como tomografia e ressonância, exceto em alguns casos em que há dano cerebral como acidente vascular entre outros.
A dispraxia pode estar presente em crianças com alterações diversas do neurodesenvolvimento como distúrbio específico de linguagem (DEL), transtorno do espectro autista (TEA) e outros.
5) O que é dispraxia verbal ou da fala?
É um distúrbio na produção dos sons de fala no qual os movimentos motores orais e faciais específicos para a fala estão prejudicados. Para falar, a criança precisa programar neurologicamente os movimentos dos músculos da boca, lábios e língua, específicos para a produção de cada fonema, adequando também a velocidade de produção dos mesmos. Quando isso não ocorre ela não é capaz de mover estes músculos de forma correta resultando em uma produção de fala com muitos erros e com ritmo alterado.
6) Quando podemos suspeitar que uma criança apresenta dispraxia de fala?
Nem todas as crianças são iguais, portanto, os sintomas podem variar bastante individualmente e de acordo com a idade.
Crianças menores que 3 anos podem apresentar:
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Ausência ou raros balbucios;
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Fala ininteligível;
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Fala com trocas e omissões de fonemas;
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Intervalo maior que o esperado entre o pensamento e a fala, mostrando sua dificuldade na elaboração da mesma.
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Dificuldade em juntar os sons de fala;
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Problemas com alimentação e mastigação;
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Babação constante;
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Dificuldade em realizar alguns movimentos com a boca, como, estalos e mandar beijos;
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Alteração no ritmo das frases que geralmente está lentificado.
Crianças maiores que 3 anos podem apresentar:
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Dificuldade em imitar sequências de sons e palavras;
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Fala com trocas e omissões;
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Maior facilidade em imitar as palavras que dize-las espontaneamente;
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Movimentos da língua e lábios descoordenados durante a fala;
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Piora da fala quando está nervoso;
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Alteração nas pausas das frases;
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Alteração no ritmo da fala;
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Dificuldade em se fazer entender oralmente por uma pessoa estranha a ele.
7) A dispraxia tem alguma causa?
Na maioria das vezes, a causa é desconhecida se relacionando a outros problemas de linguagem, no entanto, pode ocorrer por um distúrbio genético ou lesão cerebral.
A dispraxia tem uma prevalência de 6 a 10 % em diversos estudos populacionais, afetando mais meninos do que meninas. Também é influenciada por fatores ambientais culturais e socioeconômicos.
8) Qual o termo correto, dispraxia ou apraxia da fala?
O termo utilizado pelo ASHA (American Speech-Language-Hearing Association) é apraxia de fala infantil, porém há uma variabilidade de nomeação dependendo de cada autor.
No Brasil, o temo mais utilizado é dispraxia oral ou verbal quando o distúrbio afeta crianças. Dispraxia oral é considerado um distúrbio dos movimentos orofaciais para gestos não verbais e dispraxia verbal reflete a incapacidade de planejar e programar os comandos sensório motores necessários especificamente para a fala.
9) Como é o diagnóstico de dispraxia?
O diagnóstico de dispraxia, como em qualquer distúrbio do neurodesenvolvimento, é complexo. Portanto, deve contar com a avaliação de uma equipe multidisciplinar englobando médicos otorrinolaringologistas e foniatras, fonoaudiólogos especialistas em linguagem, psicólogos, neuropediatras, neuropisicólogos, entre outros.
10) Como é o tratamento?
O tratamento da dispraxia de fala vai depender de cada caso considerando sua associação ou não com outros distúrbios do neurodesenvolvimento. O principal objetivo do tratamento é ajudar a criança a dizer os sons, palavras e frases com mais clareza, este aprendizado se fará através do muito treinamento.
A musicoterapia ou contato com instrumentos musicais também ajudam a criança dispráxica a ter noção do ritmo das frases e a trabalhar com o esquema corporal.
O tratamento pode levar algum tempo, sendo fundamental o apoio da equipe de profissionais que acompanham o paciente no intuito de orientar e motivar a persistência nas terapias, esclarecendo aos pacientes e familiares que melhorar as condições de fala poderá amenizar as consequências negativas psicossociais que o paciente pode desenvolver a médio e longo prazo tanto no contexto escolar como profissional.
Referências Bibliográficas
ASHA - American Speech-Language-Hearing Association. Childhood apraxia of speech.
Piaget. J Les praxies chez I’ enfant. 1964.
Trastornos da Aprendizagem – Abordagem neurobiológica e Multidisciplinar Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS